Foi no passado dia 7 de junho, na Faculdade de Medicina do Porto, que o Prof. António Gaspar apresentou a defesa da sua tese de doutoramento, na qual confirmou o efeito protetor do condicionamento isquémico remoto (CIR) como adjuvante da angioplastia primária, principalmente através da prevenção de insuficiência cardíaca e mortalidade a ela associada.
Segue-se um resumo do trabalho:
“O sucesso da era da reperfusão permitiu uma redução significativa da mortalidade intra-hospitalar dos doentes com enfarte agudo do miocárdio (EAM) com elevação do segmento ST (EAMcesST). No entanto, a mortalidade a médio-longo prazo continua elevada, o que se deve, pelo menos em parte, a evolução de muitos doentes para insuficiência cardíaca com disfunção ventricular esquerda significativa.
Embora crucial para o tratamento do EAMcesST, a reperfusão acarreta também efeitos deletérios, descritos há já mais de 30 anos e genericamente sumarizados no termo lesão de isquemia-reperfusão (LIR). Após um período de controversa, a existência da LIR é hoje largamente reconhecida, destacando-se classicamente quatro principais formas: as arritmias de reperfusão, atordoamento miocárdico, fenómeno de no-reflow e necrose (ou lesão letal de reperfusão).
No entanto, as várias tentativas de prevenir ou diminuir a LIR, nomeadamente através das intervenções de condicionamento isquémico, têm tido resultados díspares, não existindo ainda nenhuma intervenção com efeito protetor demonstrado na prática clínica. O condicionamento isquémico remoto (CIR) permanece a intervenção mais promissora na atualidade.
Conduzimos o ensaio aleatorizado RIC-STEMI (Remote Ischemic Conditioning in STEMI) para testar o impacto clínico do CIR como adjuvante da angioplastia primária no EAM com elevação do segmento ST.
Foram randomizados 516 doentes admitidos no Hospital de Braga com EAMcesST entre março 2013 e dezembro 2015. O protocolo de CIR, iniciado 10 min antes do tempo estimado para a primeira insuflação do balão, consititiu em 3 ciclos de insuflação e esvaziamento de uma braçadeira colocada na coxa esquerda para 200 e 0 mmHg, respetivamente, durante 5 minutos cada (insuflação e esvaziamento).
Após um seguimento mínimo de 12 meses, foi possível demonstrar o efeito protetor do CIR relativamente à progressão para IC e mortalidade cardíaca sem, no entanto, se verificar diferenças na ocorrência de MACCE ou mortalidade total (ver figura 1). Este benefício clínico acompanhou a maior melhoria da fracção de ejeção nos doentes do grupo CIR, quando considerados os doentes com disfunção ventricular esquerda moderada a severa.
Após 24 meses de seguimento adicional, o efeito protetor do CIR manteve-se e acentuou-se. Verificou-se manutenção da menor mortalidade cardíaca ou hospitalização por IC (HR = 0,35; IC 95%: 0,16-0,72; p = 0,005) nos doentes com CIR mas também menor mortalidade total (HR = 0,56; IC 95%: 0,33-0,96; p = 0,036) e menor ocorrência de MACCE (HR = 0,6; IC 95%: 0,39-0,92; p = 0,02).
Assim, os resultados do ensaio RIC-STEMI confirmaram o efeito protetor do CIR como adjuvante da angioplastia primária, principalmente através da prevenção de IC e mortalidade a ela associada.”