Cardiologistas, tutela e sociedade civil unem-se por uma estratégia conjunta de melhoria da saúde cardiovascular em Portugal

A conferência “Repensar o futuro da saúde cardiovascular em Portugal” que decorreu no passado dia 14 de Novembro, na Madeira, permitiu melhorar a perceção sobre a realidade nacional no que se refere às patologias do aparelho circulatório e fomentou a discussão entre profissionais de saúde, tutela e comunidade civil na definição das melhores medidas para inverter um cenário de aumento das mortes por insuficiência cardíaca e morte súbita.

“Estamos aqui para debater uma agenda política que ajude a influenciar os diversos decisores no sentido de reformular a estratégia para a saúde cardiovascular no nosso país”, foi desta forma que o Prof. João Morais, presidente da SPC, deu inicio à 2.ª edição da conferência “Repensar o futuro da saúde cardiovascular em Portugal”. Lembrando que são inúmeros os espaços públicos onde se discute ciência hoje em dia, o cardiologista alertou para a importância de introduzir os conceitos de insuficiência cardíaca (IC) e morte súbita na agenda política da saúde em Portugal.

Neste contexto, a Dr.ª Regina Rodrigues, diretora clínica do SESARAM (Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira), apresentou alguns dados epidemiológicos sobre a realidade cardiovascular na Madeira, numa comparação com os números do resto do país. Após alertar para as particularidades específicas da região no que se refere aos fatores de risco cardiovasculares não modificáveis, a especialista abordou as questões relacionadas com a hipertensão arterial (HTA), o tabagismo, a diabetes, o sedentarismo, a obesidade e a hipercolesterolemia, salientando a sua associação com as doenças do aparelho circulatório – a primeira causa de morte em Portugal.

Com uma percentagem de cerca de 37% de hipertensos, 13,3% de diabéticos, 63,2% de indivíduos com hipercolesterolemia, 59% da população com excesso de peso e apenas 25% a cumprirem as recomendações gerais da OMS no que diz respeito ao combate do sedentarismo, Regina Rodrigues reforçou a urgência de uma nova política de saúde que ajude a inverter este cenário. Até porque, como enfatizou a diretora clínica, ainda que tenha havido uma diminuição das mortes associadas ao enfarte do miocárdio e ao acidente vascular cerebral, fruto das campanhas desenvolvidas nestes domínios, o mesmo não aconteceu relativamente às mortes por doença isquémica do coração, consequência de situações de IC e morte súbita. “Uma em cada oito mortes está relacionada com IC e duas em cada 100 mortes deve-se a morte súbita cardíaca”, concretizou, explicando que “a única forma de alterar esta realidade é através da identificação dos doentes em risco, numa parceria com a Medicina Geral e Familiar (MGF), e da aposta na formação em suporte básico de vida”.

Inverter o paradigma dos custos em Saúde

E porque em Saúde o fator custo é sempre indissociável, o Dr. Herberto Jesus, presidente do conselho executivo do IASAÚDE, IP-RAM, tomou a palavra para falar sobre a perspetiva económica das doenças cardiovasculares na Região Autónoma da Madeira. Sublinhando que o valor da vida tem implícito o conceito de saúde, o também representante da Autoridade Regional de Saúde da Madeira realçou a necessidade de passar essa ideia para a classe política. “Quando perdemos anos de vida, não contribuímos para o PIB nacional, ou seja, a saúde tem um impacto direto no orçamento de estado e isso é um trunfo que devemos usar para incentivar a aposta na qualidade de vida dos nossos cidadãos”, esclareceu.

O palestrante sublinhou este ponto de vista lembrando que a partir dos 65 anos há um custo cinco vezes superior em termos de saúde, pelo que “urge desenvolver programas de educação para a saúde e inverter a atual cultura para o tratamento, que está na base nas nossas decisões no domínio das políticas de saúde”.

A importância da comunicação

Consciente de que a adoção de novas estratégias para a saúde cardiovascular só terá sucesso se forem partilhadas por todos os atores envolvidos neste processo, a SPC convidou o jornalista da RTP Madeira, Gil Rosa, a expor o ponto de vista dos media neste percurso. Neste sentido, o colaborador salientou a importância do acesso a fontes credíveis de informação, neste caso representadas pelos médicos. “Os órgãos de comunicação social podem ser um forte aliado da comunidade médica no combate à iliteracia em saúde e isso é tanto mais relevante quanto as redes sociais assumem um maior papel de meio de informação, com o consequente aumento de desinformação presente nesses registos”, afirmou.

O papel da SPC

O presidente da SPC, Prof. João Morais, revelou que a estratégia para a saúde cardiovascular dos portugueses deve assentar num trabalho de equipa, exemplificando com o trabalho que a Sociedade tem desenvolvido, nomeadamente na educação médica, na promoção da literacia em saúde, divulgação de guia de boas práticas, dinamização de registos clínicos e envolvimento em grupos de trabalho com a tutela.

Lembrando que o país acompanha os melhores indicadores europeus no domínio da doença cardíaca isquémica, em particular no que respeita ao enfarte agudo do miocárdio, o cardiologista revelou as suas expectativas para o futuro: “que Portugal seja capazes de perder a liderança da causa de morte por doenças do aparelho circulatório”. Para isso, referiu, “é necessário que consigamos nos próximos 10 anos realizar em relação à IC o mesmo que se fez para o enfarte do miocárdio nas últimas duas décadas”.

Quanto à prevenção da morte súbita, o presidente da SPC destacou a ideia de que “é possível, tendo por base uma cadeia de sobrevivência que passa pela identificação dos indivíduos em risco, pelo acesso precoce à desfrilhação e pela assistência médica especializada aos primeiros sintomas”. “Ser reanimado é um direito de qualquer cidadão”, concluiu.

Aposta no trabalho de equipa

O encontro terminou com um debate onde cardiologistas, tutela, Medicina Geral e Familiar (MGF) e audiência foram convidados a partilhar ideias que pudessem contribuir para uma agilização da melhoria da saúde cardiovascular no nosso país. Nessa perspetiva, o Dr. Pedro Ramos, secretário regional da Saúde, começou por afirmar que Portugal está perante o desafio de “gerir o sucesso que obteve com a melhoria da resposta às doenças do aparelho circulatório e que se refletiu na diminuição do número de mortes associadas a estas patologias”, ou seja, “com as pessoas a viverem mais anos, aumentam os casos de insuficiência cardíaca, pelo que é necessário proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida, o que passa obrigatoriamente por um trabalho conjunto para a política da saúde”.

Neste contexto, a articulação com a MGF assume um papel essencial e foi exatamente isso que a Dr.ª Dolores Quintal, responsável pelo Internato Médico na MGF da Madeira, defendeu, salientando a aposta em quatro pilares: investigação, promoção da saúde, prevenção e tratamento. “Na perspetiva da literacia em saúde e de modo a chegar a um conjunto de cidadãos o mais abrangente possível, têm sido desenvolvidas sessões de educação nos centros de saúde, nas escolas, nas juntas de freguesia, entre outros”, informou a especialista, reconhecendo que, ainda assim, isso não tem sido suficiente, pelo que “é preciso seguir o bom exemplo que a SPC tem realizado nessa área”.

A SPC esteve também representada neste painel através do seu secretário-geral, o Dr. José Ferreira Santos, que aproveitou para alertar que “não devemos esquecer o enfarte do miocárdio e o AVC, e que devemos incluir a IC e a morte súbita nos nossos programas de combate às doenças cardiovasculares”. Assim, o cardiologista ressalvou a relevância de se criarem registos que permitam olhar para essas patologias com planos de ação concretos. “É premente recolher indicadores, a tutela tem de agrupá-los e agir em conformidade e a comunidade médica e a sociedade civil precisam de reconhecer melhor o problema da IC e da morte súbita”, evidenciou.

Neste processo, o Dr. António Drumond chamou a atenção para alguns fatores que atuam como entrave para uma estratégia melhor sucedida. “Se ponto de vista tecnológico os nossos recursos são compatíveis com os do resto do país, o mesmo não se pode dizer relativamente ao número de trabalhadores. A verdade é que, apesar das iniciativas adotadas pelo Governo, não tem havido incentivos suficientes para convencer os médicos a virem para a Madeira e a manterem-se no Sistema Nacional de Saúde, o que se reflete na nossa capacidade assistencial”, lamentou. Apesar dessa dificuldade, o diretor do Serviço de Cardiologia do Hospital Dr. Nélio Mendonça, destacou o trabalho que tem sido desenvolvido, nomeadamente a criação de um registo regional de morte súbita e a criação, já aprovada, de uma Unidade de Insuficiência Cardíaca Avançada e alertou para o papel que a Região Autónoma da Madeira poderá ter como “laboratório” para a criação desses dados, na medida em que, pelas particularidades locais, é mais fácil fazer o seguimento dos doentes.

Coube ao presidente da SPC encerrar a conferência e o cardiologista fez questão de salientar algumas mensagens chave deste encontro: “por um lado, importa lembrar que o objetivo desta iniciativa foi colocar na agenda política as questões relacionadas com a IC e com a morte súbita que, infelizmente, ainda pouco estão consagradas no Plano Nacional e Saúde, e, por outro, confirmar que é possível chegar aos decisores políticos e trabalhar em equipa para melhorar a estratégia de saúde cardiovascular em Portugal”.

Na imagem, da esquerda para a direita:
Dr.ª Graça Caires, representante da SPC na Madeira, Dr. João Manuel Silva, diretor do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Dr. Nélio Mendonça, Dr. José Ferreira Santos, secretário-geral da SPC, Dr.ª Dolores Quintal, responsável pelo Internato Médico em Medicina Geral e Familiar da Madeira, Dr.ª Regina Rodrigues, diretora clínica do SESARAM, Dr. Pedro Ramos, secretário regional da Saúde, Dr. António Drumond, diretor do Serviço de Cardiologia da Dr. Nélio Mendonça, e Prof. João Morais, presidente da SPC.

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