Paula Mota

Cardiologista com subespecialidade

em Cardiologia de Intervenção

Local De Trabalho:

Serviço de Cardiologia do William Harvey Hospital,

East Kent Hospitals University Foundation Trust, Ashford, Kent, GB

Tal como a maioria dos anteriores entrevistados saí em 2013, inicialmente por um período de 6 meses e obtive o lugar permanente em que estou, em março de 2014.

Na nossa vida cada passo vem no seguimento de diversas decisões anteriores. Em finais de 2003, depois de trabalhar nos hospitais de Santa Maria, Amadora Sintra, Santa Cruz e Torres Novas, as minhas vidas pessoal e profissional conjugaram-se para ingressar na desejada subespecialização em
intervenção coronária, no Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) tendo o Dr Leitão Marques como mentor. Quando em 2011, a crise económica levou à fusão do CHC com os Hospitais da Universidade de Coimbra, eu assisti à decadência progressiva de um serviço de que me orgulhava. A minha experiência de trabalho nos HUC era pouco gratificante e sofria de todos os defeitos de uma instituição antiga onde abundavam egos inflacionados e favoritismos instituídos. Na ausência de alternativas em Portugal, candidatei-me em Inglaterra e alcancei a oportunidade de integrar uma equipa de hemodinâmica na qualidade de senior.

Consultant Cardiologist do William Harvey Hospital que faz parte do East Kent Hospitals University Foundation Trust, Responsável do Laboratório de Hemodinâmica e Responsável pela via verde do Enfarte para o condado de Kent. Este centro é actualmente o nono maior centro em volume de enfartes agudos tratados em Inglaterra. Em 2016, introduzi a aterectomia rotacional, o que permitiu reter muitos doentes que eram previamente referenciados para Londres. Em conjunto com uma atitude mais proactiva em intervenção coronária, desde 2014 o centro cresceu em 80% para as actuais 1550 PCI por ano, ultrapassando vários dos centros de renome londrinos. Faço cerca de 350 intervenções coronárias por ano, oriento internos, tenho uma consulta semanal, sou responsável pelo internamento numa escala rotativa de todos os consultants e participo na escala de prevenção do enfarte agudo (PCI primária). Faz parte das minhas funções, assegurar a qualidade dos procedimentos efectuados no laboratório de hemodinâmica e na via verde do enfarte e a implementação de mudanças para evitar complicações. A revisão contínua de casos e a sua discussão em reuniões dedicadas a morbilidade e mortalidade são excelentes veículos de aprendizagem.

Na minha idade, já muitos cardiologistas se estão a reformar. Estou longe de pensar assim. Gosto do que faço, da equipa com quem trabalho e de sentir que contribuo para o tratamento dos doentes deste condado. O próximo passo inclui trazer cirurgia cardiotorácica para Kent e ligar-me à nova Faculdade de Medicina de Kent e Medway. Simultaneamente estou a preparar a transferência da responsabilidade do laboratório para um colega mais novo. É importante as chefias mudarem pelo menos de 5 em 5 anos para permitir renovação e oferecer oportunidades de progressão de carreira. Demasiadas pessoas ficam apegadas ao poder por demasiado tempo.

Poder continuar a fazer cardiologia de intervenção com a qualidade e ao nível que eu desejo. No meu caso, foi uma decisão de família, em que a limitada mobilidade profissional em Portugal aliada a deprimentes perspectivas de futuro para os jovens (neste caso os meus filhos), tornaram Inglaterra uma das potenciais alternativas.

No NHS, os consultants tem responsabilidade nominal e trabalham de forma independente. Não há uma pirâmide de poder. Há um consultant que é director de serviço, escolhido pela hierarquia não clínica, através de uma entrevista e nomeado pela Direcção do Departamento. A idade não é necessariamente critério. No meu serviço, os directores mudam mais ou menos de três em três anos, regressando ao estatuto de colegas.
Em termos clínicos uma das maiores diferenças é a importância dada à segurança nos procedimentos, a necessidade de documentação detalhada nos processos clínicos, o cuidado a ter na forma como se lida com os doentes. As boas maneiras são essenciais: não há profissional de saúde que fale com um doente sem se apresentar, todos os procedimentos têm de ser bem explicados e obter um consentimento adequadamente informado. Reclamações ocorrem com regularidade, ainda que raramente levem a processos judiciais. Por um lado, isto melhora a qualidade dos serviços, por outro cria alguma tensão que se pode tornar esgotante. Se em Portugal os médicos se queixam, com razão, da falta de reconhecimento profissional e de remuneração adequada, aqui queixamo-nos das pilhas de papelada. As normas internas de procedimento abundam.

Existem muitos estrangeiros de múltiplas origens a trabalhar no NHS. A sua imagem profissional é individual, não nacional. Os enfermeiros e técnicos de cardio-pneumologia portugueses são muito bem-considerados e até “headhunted”. Os médicos são reconhecidos dentro da sua competência pessoal sendo-lhes atribuídas funções, de acordo com a experiência demonstrada. Há muitos directores de serviço de origem não inglesa. Para que a nossa imagem de qualidade se mantenha é essencial que não se descure o nível de exigência que o nosso internato tem e que a nossa formação inclua a passagem por centros estrangeiros.

Para tentar recuperar o capital intelectual que já foi exportado, sugeria a criação de elos entre os profissionais no estrangeiro e as universidades, serviços clínicos e instituições de investigação portuguesas. No entanto, qualquer mudança exige humildade para se identificar o que não está bem e abertura para novas sugestões.

O ideal seria que todos pudéssemos regressar para contribuirmos com novas ideias para o nosso país. Contundo o clima e a boa comida não são suficientes para compensar os salários reduzidos, a constante destruição da imagem dos médicos pela classe vigente e a reduzida mobilidade profissional. Eu só poderia regressar para chefiar um serviço de hemodinâmica. Seria uma honra poder fazer no meu país, o que fiz aqui. Mas não tenho qualquer expectativa de que isso alguma vez venha a acontecer.

Os cardiologistas portugueses têm uma formação técnica excelente. Desejo que todos possam ser adequadamente recompensados pela sua competência. E que encontrem directores de serviço que os deixem crescer no seio das suas equipas.

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