Consenso sobre a realização de Ecocardiografia Transtorácica em Portugal: O que há de novo?

A Ecocardiografia é um dos mais importantes exames médicos na área da Cardiologia. Como tal, tornou-se importante a criação de novas recomendações para que este meio complementar de diagnóstico seja realizado por pessoas credenciadas e com cada vez mais formação. A uniformização de procedimentos, medida que se quer ver implementada na avaliação dos doentes através da ultra-sonografia cardíaca, vai por outro lado fazer com que os diagnósticos sejam realizados com maior rigor e que os doentes sejam referenciados corretamente.

Em conversa, o Prof. João Morais, Presidente da SPC, e o Prof. Francisco Sampaio, primeiro autor do artigo e Coordenador do Grupo de Estudo de Ecocardiografia da SPC, explicaram de que forma estas medidas se poderão traduzir numa melhor prática clínica.

DISCURSO DIRETO | PROF. JOÃO MORAIS

O que levou à necessidade de criação de novas recomendações nesta área?

A ecocardiografia ou, se quisermos ser mais rigorosos, a ultra-sonografia cardíaca, nas suas múltiplas vertentes e aplicações, é hoje o mais importante meio complementar de diagnóstico no âmbito da Medicina Cardiovascular. A possibilidade de ser realizada em qualquer local, incluindo à cabeceira do doente, esteja ele onde estiver, com um custo muito baixo, capaz de abarcar o diagnóstico, desde as anomalias estruturais, até à mais sofisticada avaliação hemodinâmica, transformaram a ecocardiografia transtorácica no exame mais importante na avaliação inicial do doente. A partir do seu resultado, pode-se abrir as portas a técnicas de imagem mais sofisticadas, mas também mais exigentes.

Assim sendo, entendeu a SPC e o seu Grupo de Estudo de Ecocardiografia, ter chegado o momento de criar regras e recomendações de modo a uniformizar o procedimento, uniformização esta que deve começar na definição de quem é capaz e competente para o realizar, na metodologia para realização do exame e finalmente na forma como se relatam os seus resultados.

O que é que a Cardiologia nacional poderá ganhar com a aplicação das medidas descritas no documento?

Aquilo que se espera ao publicar documentos desta natureza é que eles sejam implementados na prática do dia a dia. É desejável que todos quantos realizam ou tencionam vir a executar esta técnica, o façam de acordo com o estipulado no documento.

Há hoje em Portugal centenas de locais, públicos e privados, nos quais esta técnica é praticada. A uniformização de procedimentos, leva a que a ecocardiografia sirva cada vez melhor os nossos doentes, apoiando os clínicos num diagnóstico que se quer cada vez mais rigoroso. Tratar melhor, tomar decisões acertadas, e referenciar com critério, passa por um exame ecocardiográfico bem executado e bem interpretado.

O que representa para a SPC este tipo de documentos ?

Durante o último ano, e por iniciativa da direção da SPC que nos antecedeu, para além deste documento sobre ecocardiografia, foi publicado um importante documento

sobre reabilitação cardíaca. Ainda no mandato da atual Direção, esperamos vir a publicar documentos de orientação dirigidos a áreas clinicas específicas, naturalmente com o apoio dos grupos de estudos respetivos.

Apesar de a SPC ser, em Portugal, o fiel seguidor das recomendações da European Society of Cardiology, há espaço para que áreas não cobertas pelas guidelines internacionais mereçam a publicação de documentos locais para que, desta forma, possamos contribuir para uma prática clínica cada vez mais orientada pela evidência científica e, quando esta não exista, baseada na opinião de peritos avalizados para o fazer.

DISCURSO DIRETO | PROF. FRANCISCO SAMPAIO

Qual a importância destas recomendações para a prática clínica?

O objectivo principal destas recomendações é contribuir para uniformização da prática da ecocardiografia em Portugal, ou seja, sugerir normas que devem ser adotadas por todos os operadores e laboratórios de ecocardiografia, assegurando-se deste modo a qualidade dos exames. Se se pretender ver de outro modo, mais simplista, são enumerados no documento “os mínimos” que devem obrigatoriamente estar presentes nas várias componentes necessárias a um ecocardiograma completo – operadores, laboratórios e o exame em si (aquisição e interpretação). No fundo, trata-se de uma adaptação à realidade nacional de recomendações emanadas por outras sociedades e organizações científicas internacionais desde há muito preocupadas com a qualidade dos exames e com a segurança dos doentes. Este trabalho estava por fazer em Portugal, onde persistem assimetrias significativas no acesso e na prática da ecocardiografia. Importa realçar que, não sendo competência das Sociedades Científicas a regulamentação legal da execução de atos médicos e não podendo, portanto, atribuir-se a estas recomendações qualquer vínculo legislativo, o documento foi apresentado e discutido com o Colégio da especialidade de Cardiologia da Ordem dos Médicos, tendo obtido concordância formal e explícita do mesmo. Esperamos assim, que se possa tratar de um primeiro passo no sentido de criação de processos formais de acreditação dos diferentes operadores e laboratórios por parte das entidades com funções de regulação em saúde.

Quais os aspetos que mais importa salientar?

O primeiro aspecto a salientar é que este documento é o resultado final de um longo processo e do esforço continuado de vários Secretariados do Grupo de Estudo de Ecocardiografia e Direcções da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, com a contribuição de muitas outras pessoas ligadas à área da Ecocardiografia. Gostaria de salientar o papel da Dra Regina Ribeiras, que iniciou e impulsionou todo o trabalho e cujas tenacidade e obstinação permitiram ultrapassar múltiplos obstáculos.

Um segundo ponto prende-se com a restrição destas recomendações à ecocardiografia transtorácica que, no entanto, representa a grande maioria dos exames ecocardiográficos em Portugal. Por outro lado, e conforme expresso no texto, embora alguns dos pontos abordados possam ser mais aplicáveis ao meio hospitalar, os princípios gerais definidores de qualidade enunciados podem e devem ser igualmente aplicados à prática extra-hospitalar. Neste sentido importa igualmente realçar que todas as recomendações assumem um carácter de normas genéricas de atuação e que poderão existir especificidades locais que justifiquem procedimentos diferentes. De igual modo, não se pretende que se lhes atribua qualquer intenção restritiva ou inibidora da prática. As linhas orientadoras subjacentes a todo o documento são a necessidade de aquisição e manutenção de competências teóricas e práticas (e a possibilidade de verificação/certificação de ambas) por parte dos profissionais, independentemente da formação de base, e o assegurar da existência de infraestruturas e equipamentos adequados. Assim, este documento deverá antes ser entendido como uma oportunidade de melhoria e como meio para a obtenção das condições mínimas necessárias à realização de ecocardiogramas de qualidade.

Quais as principais conclusões do artigo?

A principal conclusão será que, sendo a ecocardiografia uma técnica de imagem da qual dependem decisões muito significativas para o doente (e até com eventuais implicações médico-legais), a regulamentação da sua prática, em Portugal, torna-se imperativa.

Acreditamos que o cumprimento destas recomendações permitirá assegurar a qualidade dos exames ecocardiográficos, minimizando erros e riscos para os doentes, conduzindo, ao mesmo tempo, à eliminação da multiplicação de exames auxiliares de diagnóstico e consequente redução de custos.

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